Ivan era o segundo de três filhos de um burocrata medíocre em Petersburgo, na Rússia.
Formou-se com louvor no curso de Direito, mostrando-se capaz, desde cedo, e muito rígido no que dizia respeito às suas obrigações.
Fortemente atraído por pessoas que estivessem em posições mais altas do que a sua, logo adotava seus modos e pontos de vista, estabelecendo boas relações com elas.
Não tardou para que conseguisse boas colocações profissionais, em razão de sua inegável capacidade somada à influência de amigos poderosos.
Era jovem ainda quando assumiu o cargo de Magistrado de uma Província do Interior.
Sua conduta no trabalho era considerada irrepreensível, inspirando respeito e confiança naqueles que o cercavam.
Embora tratasse as pessoas com cordialidade e educação, sentia-se realmente superior a todas elas.
Agradava-lhe a ideia de que sentiam inveja da sua figura e da sua condição.
Causava-lhe alegria saber que tinha o poder de subjugar os demais e que os outros dependiam dele.
Nunca chegou a abusar de sua autoridade, ao contrário, tentava suavizar o peso dela.
No entanto, a consciência do poder de que dispunha e a possibilidade de amenizar esse efeito só aumentava o fascínio pela posição que ocupava.
Aos olhos do mundo, e de si próprio, era um homem bem-sucedido.
Os anos se passaram rapidamente e, às vezes, Ivan queixava-se de um gosto estranho na boca e uma sensação desconfortável do lado esquerdo do estômago.
No início, ninguém, nem mesmo ele, dava muita atenção a isso.
Entretanto, tal desconforto foi piorando, passando a causar-lhe uma sensação intensa de cansaço e de irritabilidade.
Depois de muito resistir à ideia, decidiu consultar um famoso médico.
Foi recebido pelo profissional com a mesma frieza e com o mesmo ar de superioridade que ele costumava utilizar no Tribunal.
Suas perguntas eram respondidas de modo pouco esclarecedor.
Apesar da atitude evasiva do médico, Ivan pôde chegar à conclusão de que sua situação não era nada boa.
Além disso, com o passar dos dias, ele concluiu que sua dificuldade não fazia a menor diferença para os demais.
Sua dor, sua angústia só atingiam realmente a ele próprio.
Subitamente ele percebeu que o poder, de que até então se orgulhava, era nada diante da situação em que se via.
Nem os tratamentos, nem os remédios utilizados lhe proporcionavam qualquer melhora.
As dores eram cada vez mais intensas e o mal-estar com grande frequência.
Sem demora Ivan deu-se conta de que estava morrendo e desesperou-se.
Afinal, de que valia todo seu prestígio, toda a sua influência e toda a sua riqueza?
De nada.
Sua dor o igualava a todos os demais homens.
Fazia com que ele percebesse como havia sido tolo durante toda a vida.
Seu poder era uma ilusão e sua superioridade, apenas uma quimera.
Todos temos tarefas a realizar e deveres a cumprir na obra do Criador.
Por isso, muitos de nós detemos facilidades e recursos materiais das mais variadas ordens, de maneira provisória.
São oportunidades de crescimento. Não significam que sejamos superiores ou melhores do que ninguém.
Cabe-nos fazer bom e devido uso desses abençoados recursos, sem distorções de finalidade, nem ilusões.
Pensemos nisso.
Redação do Momento Espírita, com base no livro A morte de Ivan Ilitch, de Léon Tolstoi, ed. Manole. Do site: http://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=3181&stat=0