Cada ano, no limiar do Natal, nossos corações mais uma vez se comovem com a saga de um Deus que, por assim dizer, não quis ser apenas espírito e concluiu que divino mesmo é ser humano. E se encarnou, nascendo de uma mulher, nos arredores da Casa do Pão (Beith-lehem), sobre uma manjedoura. Porque, assim, deixava logo claro que era o mais fino manjar que à Terra pode oferecer o Céu.
A cena do presépio, para quem ainda tem olhos de ver, é um memorial de saudades e esperanças. Faz-nos lembrar nossas raízes e nossas asas. Tudo o que compõe - o jovem casal, o boi, o burro, os vaga-lumes, a estrela, os pastores, os anjos, os magos – tudo é signo tradutor de uma vida que nasce (natal) para morrer (mortal) e ressurgir, renatalizando nossa humana condição.
Narra o evangelista Mateus que “magos vieram do Oriente à Cidade da Paz (Jesrusalém) e adoraram o rei recém-nascido (Mt 2, 1-2). Vieram guiados pela luz do desejo (em latim desiderium) tem o mesmo natal etimológico de estrela (sider). Viver assim, e por conseguinte, assim caminhar, pro-movidos por esse desejo de encontrar algo ou alguém maior, mais inteligente e mais amoroso, diante de quem dobrar os joelhos, num êxodo e num êxtase deliciosos, posto que dolorosos, é o sonho, a saudade e a esperança mais ancestrais da humana condição.
Há quem diga que eram três reis. Três por dedução dos presentes oferecidos ao recém-nascido. Mas reis? Um rei que depusesse a coroa, deixasse o palácio e saísse à procura de outro rei, guiado apenas pelo luzir de uma estreinha, seria no mínimo, considerado louco. Não, não eram reis. Eram astró-logos: liam, no brilho dos astros a chama do desejo! Se Zaqueu, desejando ver a Jesus, encaminhou-se á uma árvore na praça de Jericó, por que não dirigir-se na direção insinuada por uma estrela?
Encerra Mateus seu relato dizendo que os magos, “avisados em sonhos de não tornarem a Herodes (quem vê a Deus sobre palhas não pode voltar à tirania do ouro) voltaram paa sua terra por outro caminho” (Mt 2,12).
É sempre assim. E não pode ser de outro jeito. Quem vê a Criança e nela reconhece o berço da vida, morre para o velho ego e vira anjo (angelo). Como quem vê o Espírito vira pássaro (pomba). E como anjos ou evangelhos alados, deixam de lado os trilhos da mesmice e da mormose; e pelas trilhas abertas pelo desejo vêm e vão anunciando alternativas (outro em latim, alter, daí alternativa), viabilizando uma vida m,ais mansa, mais justa, mais leve. Mais sã e salva.
O poeta Mário Quintana sugere que o aborto não é um crime, é um roubo: rouba-se às crianças a alegria de ver estrelas! Pois vendo-as e ouvindo-as, entendemos que o Céu ainda nos sorri.
Neste Natal do Senhor, desejo experimentar o que Zeca Baleiro sugere numa de suas composições: “Não quero ser triste como o poeta que envelhece (...). Nem quero ser alegre como o cão que sai a passear (...). Quero no escuro como cego tatear estrelas distraídas.”
E assim, quem sabe?, serei novamente reconduzido à Casa do Pão e da Beleza.
Frei Edilson Bezerra OFMcap
Jornal Anúncio - Ano VII – Nº 77, datado de Dezembro de 2005.
que coisa linda esse texto!
ResponderExcluirSirlene Machado