(...) Difuundiu-se no meio espírita a ideia de que “os espíritas são os trabalhadores da última hora”.
Não é raro vermos esse pensamento exposto até mesmo com uma certa ponta de orgulho. Afinal, na parábola os trabalhadores da undécima hora são aqueles que mais se beneficiaram da magnanimidade do senhor.
Estaríamos todos, então, admitidos à vinha, com salário integral e tudo.
Será isso o que os Espíritos escreveram, ou deram a entender?
Examinaremos aqui apenas o que diz Constantino, pois a mensagem de Heine parte de uma perspectiva diferente e requereria outro artigo. Eis o parágrafo:
[§ 4] Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última hora. Bem orgulhoso seria aquele que dissesse: Comecei o trabalho ao alvorecer do dia e só o terminarei ao anoitecer. Todos viestes quando fostes chamados, um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, para a encarnação cujos grilhões arrastais; mas há quantos séculos e séculos o Senhor vos chamava para a sua vinha, sem que quisésseis penetrar nela! Eis-vos no momento de embolsar o salário; empregai bem a hora que vos resta e não esqueçais nunca que a vossa existência, por longa que vos pareça, mais não é do que um instante fugitivo na imensidade dos tempos que formam para vós a eternidade.
A leitura atenta deste trecho não parece corroborar a referida interpretação. Primeiro, a frase inicial qualifica os espíritas: “Bons espíritas...”.
O adjetivo ‘bons’ em geral passa despercebido! Logo, a frase não diz respeito aos espíritas em geral, mas aos bons espíritas. E todos conhecemos a impressionante lista de qualidades dos bons espíritas, que Kardec registrou no capítulo 17 do Evangelho Segundo o Espiritismo, seções “O homem de bem” e “Os bons espíritas”.
Além disso, a frase não tem o artigo definido ‘os’ antes de ‘obreiros da última hora’, como normalmente se diz. A inclusão do artigo emprestaria ao pensamento um ar de sectarismo e orgulho incompatível com a índole da doutrina espírita.
Os bons espíritas não são os obreiros da última hora, com a implícita exclusão dos outros homens, mas simplesmente obreiros da última hora. Eles são aqueles que passaram, numa “hora” relativamente recente da história da humanidade, a trabalhar, ao lado de tantos outros, na vinha do Senhor.
E mais: nem mesmo entendida corretamente a comparação de Constantino serviria de fundamento a qualquer sentimento ufanista no meio espírita. Afinal, os trabalhadores da última hora não tiveram nenhum mérito relativamente aos da primeira hora. Simplesmente são aqueles para quem, por uma razão ou por outra, a tarefa chegou um pouco mais tarde.
Prosseguindo, o Espírito modifica um pouco a alegoria, ao salientar que mesmo estes em geral ignoraram durante séculos os apelos do Senhor para o trabalho na vinha!
A rigor, então, os bons espíritas não deveriam se orgulhar nem mesmo de terem sempre estado aguardando ansiosamente o chamado para a obra divina. Estão, via de regra, na condição geral da humanidade terrena, de Espíritos que fizeram mau uso de seu livre-arbítrio em passado próximo ou distante.
No entanto, o que os caracteriza – sem a exclusão de outros, repetimos – é que agora já superaram aquele período de “hospitalização”, e reaprenderam a trabalhar no bem.
Esse o seu maior salário: a bênção de já poderem trabalhar na construção de sua felicidade, mediante o amor ativo ao próximo e a si mesmos.
Que dizer agora dos espíritas que ainda não podem ser ditos bons?
Esses são os que, não obstante terem as luzes dos princípios espíritas ao seu alcance, ainda resistem indolentemente a trabalhar, ou a trabalhar tanto quanto sua condição permitiria; ou aqueles, em condição mais lastimável ainda, que ainda se “cevam nas ignomínias” morais, sem envidar esforços para emendar-se.
É claro que essa classificação não é nítida, ou seja, não há apenas dois grupos de espíritas. Há uma gradação contínua, começando naqueles francamente retardatários e terminando nos que já entendem e vivenciam plenamente as diretrizes divinas para os homens.
Caberá a nós determinar, pelo exame isento de nossos pensamentos e atos, nossa posição nessa escala, e incessantemente procurar galgar posições cada vez mais avançadas, pela reparação de nossos erros, pela superação de vícios e conquista de virtudes.
Referências bibliográficas
Emmanuel. O Consolador. (Médium Francisco Cândido Xavier.) 8a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1940.
Kardec, A. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro. 111a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Céu e o Inferno. Trad. de Manuel Quintão. 28ª edição, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geeu/undecima.html
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geeu/undecima.html
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